Ele abre os olhos
lentamente, não sabe quanto tempo se passou. A visão clareia aos poucos, vê
gente de branco, lembra de alguém ter gritado algo com “ambulância” logo que
ele caiu. É um alívio, tanta gente de branco... Deve ser o Céu.
Sempre se perguntou se iria
para o Céu após a morte, as lembranças das noitadas na Rua Augusta, as
experiências sexuais e químicas e o estilo de vida politicamente incorreto
sempre assombraram o católico que ele sufocou em algum lugar do seu
subconsciente.
Pouco a pouco, percebe que a
dúvida o atormentará ainda mais alguns anos. Está vivo, ela está ao lado da
cama, olhando para ele com cara de choro. Segura sua mão, pergunta se está tudo
bem. Mas há algo errado, ela está vestida de noiva! Notar o vestido o faz
voltar algumas horas no tempo e, antes que pudesse dizer qualquer palavra,
embarca, como que em transe, numa pequena viagem em busca de respostas...
Ela dizia que gostava dos
pelos que ele tem no peito, não sabia o incômodo que eles causavam por baixo de
um terno numa cansativa noite de verão.
Ele sentia o suor escorrer
sob a camisa, fazia cócegas, mas não podia largar a noiva para se coçar no meio
da sessão de fotos.
Os flashes golpeavam as
retinas do casal incessantemente, acrescentando mais um elemento estressante à
pesadíssima maratona que percorriam para cumprir um protocolo social. O noivo
disfarçava a irritação, tinha a sensação de que só ele não bebeu o suficiente
para achar graça em tudo aquilo.
Sua mente volta mais uma
hora no tempo, sai do salão de festas e adentra a igreja. Ele mal conseguia
manter a pose na hora do sermão do padre, não aceitava que seu casamento
precisasse do “sim” daquele sujeito. Uma instituição que prega a manutenção da
virgindade até o matrimônio ostenta poder ao autorizar a união de um casal já acostumado
ao Kama Sutra. Hipocrisias à parte, casar de branco era o sonho dela. Haja
dinheiro...
De volta ao salão, os flashes
davam uma folga, mas só depois da patética foto em que tomam champagne com os
braços entrelaçados. Ele nem gosta de champagne...
Seus olhos percorreram o
salão, seus amigos se divertiam longe dele. Chopp, caipirinha e petiscos aos
milhares. Um custo altíssimo para o seu padrão de vida, mas talvez uma despesa
paga em prestações a perder de vista seja o termômetro ideal para medir o
sucesso de um casamento moderno. A vitória consiste em fazer a união durar mais
que a dívida contraída com a festa.
Volta alguns anos e lembra de quando se apaixonou, ela parecia perfeita. Chegou a procurar algum defeito, sempre foi um cara realista, ela tinha que ter algum problema... Parou de pensar no assunto quando conheceu a tia gorda. Chega a pensar que alguns homens podem ter “trocado de lado” ao tomarem tal criatura como referência de mulher. Sempre falando alto, com a barriga escapando por baixo da blusa, os mamilos visíveis sob o algodão das roupas, como se berrassem “estamos aqui!” Tudo acompanhado pela maldita maquiagem cafona, com a qual sempre lhe borrava as bochechas. Sim, ela tinha um defeito: ser sobrinha da tia gorda...
Volta alguns anos e lembra de quando se apaixonou, ela parecia perfeita. Chegou a procurar algum defeito, sempre foi um cara realista, ela tinha que ter algum problema... Parou de pensar no assunto quando conheceu a tia gorda. Chega a pensar que alguns homens podem ter “trocado de lado” ao tomarem tal criatura como referência de mulher. Sempre falando alto, com a barriga escapando por baixo da blusa, os mamilos visíveis sob o algodão das roupas, como se berrassem “estamos aqui!” Tudo acompanhado pela maldita maquiagem cafona, com a qual sempre lhe borrava as bochechas. Sim, ela tinha um defeito: ser sobrinha da tia gorda...
Volta ao salão, no fim da
festa ele já pedia a Deus para que o Buffet encerrasse logo a cerimônia. “O
momento mais importante da sua vida” diziam alguns de seus parentes, ele pensava:
“A balada mais cara da minha vida.” Percebeu, perspicaz que era, que aquela
noite haveria de ser mais cansativa para ele próprio do que para os garçons,
seguranças e trabalhadores em geral envolvidos no evento. Chegou à conclusão
que é de uma injustiça incalculável que os protagonistas do evento estivessem,
na verdade, servindo aos convidados, proporcionando-lhes a farra e a bebedeira
gratuitas.
Todos os amigos já estavam
bêbados, um outro estado de espírito. Ele se enfurecia em segredo, estava
sóbrio o suficiente para notar a chegada da tia gorda, que o abraçou com as
mãos cheias de coxinhas. Foi a última coisa que notou antes de desmaiar...
Volta ao presente.
-Oi, amor. Estraguei a
festa?
-Imagina?! Isso lá é hora de se preocupar com festa? Quase me matou do coração, achei que ia perder o marido no dia do casório!
-Imagina?! Isso lá é hora de se preocupar com festa? Quase me matou do coração, achei que ia perder o marido no dia do casório!
-Tá tudo bem. Foi só o
nervoso, desculpa pelo susto...
-Você não tem que pedir
desculpas. Você tem é que repousar! Estamos esperando o resultado dos exames,
vai precisar se cuidar hein rapaz?! Sorte sua que agora me tem como esposa!
Agora olha, tem uma pessoa que te adora querendo te ver!
Ela sai da sala, ele respira
fundo. Imagina que a situação talvez não seja tão ruim, ser paparicado pela
mulher que ama é um sonho para a maior parte dos homens, talvez por isso eles
sempre façam o costumeiro drama masculino toda vez que adoecem.
No final das contas, aquilo
parecia mesmo o Céu...
Só parecia! Ouve passos,
vira o pescoço na direção da porta pela qual sua esposa saiu e a vê retornando
acompanhada. Não confia nos seus olhos, esfrega as vistas, faz um esforço para
levantar um pouco o tronco com relação à cama e vê de mais perto. A tia gorda
se aproxima, sorriso aberto, batom nos dentes, mamilos gritando. Lá vem o
beijo.
Ele fecha de novo os olhos, pela última vez.
Ele fecha de novo os olhos, pela última vez.