O silêncio e a escuridão da casa vazia são desfeitos em um segundo, a porta que dá acesso ao interior do imóvel se abre e o interruptor é tocado. É quase uma operação militar: uma entrada rápida, dois objetivos.
Ele
corre até passar pela porta do banheiro, adentra o quarto na porta seguinte,
aperta o botão da cpu, volta correndo ao toalete e se senta sobre o vaso.
“Foi
por pouco!” Ele pensa, enquanto respira aliviado.
Após
alguns minutos, retorna ao local onde se encontra o computador, o tempo gasto
no canto mais íntimo do lar é suficiente para que o aparelho já esteja
completamente iniciado, só mais alguns cliques e está conectado à rede social.
Dois
dias sem postar nada não é de seu feitio. Dessa vez, não quer fotos ou memes,
precisa de algo original. Quer algo que repercuta em sua vida cotidiana, que
sirva de assunto principal para a hora do almoço no dia seguinte. Há alguns
anos já não conhece outra forma de ser visível.
Desfaz
o nó da gravata enquanto raciocina, bloqueia a caixa de diálogo para que os
amigos não atrapalhem, esfrega um pé ao outro até que os sapatos fiquem
largados no chão sob a mesa, afrouxa o cinto que insiste em lhe ferir a
saliente barriga toda vez em que se senta. Depois de cinco infrutíferos
minutos, vai à cozinha e retorna com uma lata de cerveja, abre, toma o primeiro
gole e a deposita ao lado do teclado.
A
última cerveja que tomou, lembra, foi em um prostíbulo. Duas garotas de
programa e uns goles a mais lhe fizeram gastar a quantia que havia separado
para quitar a prestação do carro. Não era para menos: não podia fazer feio
perante os colegas do escritório, precisava manter as aparências, precisava
sustentar uma imagem equivalente à que criara contando mentiras sobre aventuras
sexuais em praias paradisíacas do nordeste.
Passado
é passado. Sua mente volta ao presente. Uma olhada sobre os assuntos do
momento, uma lida nas críticas políticas. Sempre a mesma coisa: políticos
iguais fazem pessoas diferentes se enfrentarem.
Tudo
é chato demais, mas política lembra polêmica, polêmica lembra muita coisa,
lembra drogas... Pensa em falar sobre a maconha, a cocaína é conveniente
esconder. Não! Melhor não, os boatos de que o chefe agora tem uma conta na rede
o intimidam.
As
prostitutas são um luxo para não mais que uma vez por mês, um aumento em seu
poder aquisitivo o permitiria terminar o namoro, mantido a contragosto. Sendo
assim, amor não é assunto para o post.
Idas
e vindas à geladeira, assuntos não convenientes lhe vêm à mente e logo são
descartados. A briga na balada? Não pega bem criar fama de violento. O time do
coração? Melhor não, anda perdendo muito.
Eis
que surge uma luz no fim do túnel, literatura! Ele leu “Cinqüenta Tons de
Cinza” para ter assunto com as mulheres, mas como usar o trunfo a seu favor?
Uma crítica literária é trabalhosa e complicada demais para alguém que leu um
livro nos últimos cinco ou seis anos. Aliás, digitar é trabalhoso e complicado
demais para alguém que bebeu cinco ou seis cervejas na última hora.
Se
dá conta do horário, está de uniforme, não tomou banho, não comeu, é tarde...
Que merda! Mais um dia se vai, os olhos querem se fechar sozinhos. Se enfurece
ao lembrar que ainda está com a roupa do trabalho e que, num piscar de olhos,
voltará a se preparar para ele. Um dia inútil, igual a tantos outros vai se
findando rapidamente. Não dá para passar em branco. Pensa rapidamente em algo,
acaba achando um trecho da Bíblia. A Bíblia sempre rende umas boas “curtidas”
em seu mural. Nem se deu ao trabalho de ler o que escreveu. Desligou de
qualquer jeito, foi deitar, largou as roupas no chão, apagou a luz, sentiu a
cama balançar um pouco.
Num
dos últimos pensamentos do dia, tenta imaginar o que poderia pedir para
escreverem em sua lápide, caso fosse a hora da morte... Ah! Que se foda! Outro
trecho bíblico, a Bíblia sempre serve para causar uma boa imagem.
Ainda
lembrou da irmã da namorada, decidiu se masturbar. Bem que tentou, mas apagou
com a mão dentro da cueca.
Morreu.
Para morrer amanhã de novo...
Gabriel de Lima
Gabriel de Lima
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